Capítulo II
Era de uma família simples. No mínimo típica onde viviam. Pais de outro Estado, trabalhadores incansáveis, dois filhos e tios e tias espalhados pela região. Eram a construção encarnada da identidade daquela geração metropolitana.
Ao longo de duas décadas, não foram poupados recursos, mesmo que escassos, na criação dos garotos. Era inquestionável a vivência cultural, o entendimento pessimista dos sistemas humanos e a ética transfigurada em moralismos.
Ele não podia se enxergar como um "Lucas Silva e Silva", mas foi criado com todos os modismos de apartamento que acompanharam os Anos 90. Teve a fase do patins, da bicicleta, do skate e do video game, todas tendo como contrapartida as boas notas e a cama arrumada.
Conforme essa dinâmica encontrava suas contradições, não escapava de um novo diagnóstico: Depressão, puberdade e até problemas respiratórios... Tudo devidamente tratado com a ciência médica do final do século XX.
A mãe dividia-se em várias para trabalhar em dobro, como secretária no serviço público e como Dona de Casa com todas as suas responsabilidades. Era uma verdadeira Amélia, mulher de verdade. Com a trajetória que teve, não poderia deixar de ser individualista que só.
O Pai a completava. Era um homem a frente de seu tempo, capaz de enxergar cenários futuros em diversas áreas. A busca de uma vida ética que beirava o civismo atrapalhavam suas qualidades progressistas, mas não foi este o determinante para sua situação. Sua condição material histórica impediu, como a tantos outros, que sua revolução também chegasse.
O irmão era um vetor onde a presença da mãe era mais forte. Era completamente indeciso, incapaz de tomar uma grande decisão sem grande pesar. Apesar disso, estudava para ser engenheiro. Suas necessidades emocionais, nutridas por relações fantasiosas, atrapalhavam sua formação, mas não deixavam de ser legítimas.
Ele entendia que não passava de um resultado daquele grupo. Considerava que felizmente o resultado foi bom. Isso levou a uma ampliação sem precedentes na família da noção de integralidade no todo em que estavam inseridos, bem como a uma percepção de si nesse todo.
Gostava das manhãs de feriados e fins de semana. Quando encontrava a família, era recepcionado com um bom dia e um orlhar de orgulho por parte dos pais. Em seguida, repetia-se um diálogo prazeroso que vinha de anos:
- Você vai querer lanche? - perguntava o pai.
- Sim, claro. - Ele respondia
- De que você vai querer? Aceita suco? - completava a pergunta
- O de sempre.
Em seguida, era servido em frente à Televisão um lanche quente em pão fresco que já caracterizava essas manhãs há anos, ao suco de laranja natural feito na mesma manhã. Por muitos anos não se conformava como era feito aquele suco. Nunca ouviu barulho algum, processador, espremedor, portas, nada.
Foi no dia em que chegou em casa ao amanhecer depois de uma sexta-feira agitada, que viu que as laranjas eram compradas nas primeiras horas da manhã, e o suco preparado a portas fechadas, com cuidado, pra não acordar ninguém.
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1 Comentários:
Como falar de si mesmo escrevendo em terceira pessoa.
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